RSS
  Whatsapp

Famílias do Piauí vivem sem energia próximas ao maior complexo eólico da América do Sul

Compartilhar

 

Francisco José, 46 anos, morreu sem nunca ter tido a oportunidade de ligar a televisão que comprou em 2011. Sem energia onde morava, a comunidade Alagadiço, em São Francisco de Assis do Piauí, ele se foi com promessas de uma expansão de rede elétrica que, 13 anos depois, não chegou para a comunidade e suas dezenas de famílias.

"Meu marido amava televisão, amava o jornal, mas morreu sem poder ligar nossa televisão. A energia sempre foi uma promessa dessas que nunca chega. Meu marido chegou a entrar em depressão", relatou Aldenir Rodrigues, viúva de Francisco José.

São mais de 10 famílias que vivem sem acesso à rede elétrica na comunidade Alagadiço, em São Francisco de Assis do Piauí, que fica a 500 km de Teresina, mas a poucos metros do maior complexo eólico da América do Sul.

As famílias da comunidade informaram que fizeram pedidos para ligação da energia desde 2016, época em que o programa "Luz para Todos" estava acontecendo, e que, a partir de 2018, quando Equatorial Piauí assumiu a operação da Rede Elétrica da região, fizeram novos pedidos. No entanto, ao g1, a Equatorial afirmou que não tem registro desses pedidos em seu banco de dados.

A rede de energia passa a menos de 1 km da casa de Aldenir. Após a morte do marido, ela mora com seu filho de 10 anos e, em 2023, conseguiu comprar uma placa solar. Depois disso, comprou geladeira, ventilador e acreditou que enfim poderia ligar sua televisão.

No entanto, a energia produzida por ela é limitada. Suas placas suportam poucos equipamentos e somente durante o dia, pois à noite, ela só consegue ligar as lâmpadas. A geladeira todas as noites é desligada, perdendo toda a conservação de alimentos.

"Eu produzo energia no dia, mas assim, nós não conseguimos nem ligar a geladeira pela noite, a placa não aguenta. Perco comida, bebo água quente, nem o sorvete se a gente quiser se sustenta", relatou.

As velas são companheiras diárias do casal Vitória e Iranilson, que vive na comunidade com o filho de seis meses, o pequeno José. Na casa deles não existe qualquer ligação de energia elétrica e as velas aquecem o corpo e iluminam a noite.

"Nós não temos muito e o pouco que temos é assim. Quando bate a noite, a caixa de velas vira nossa defesa para o escuro. Não é que temos medo, já acostumamos, mas ter luz deve ser bom para o José crescer com algo que não tivemos", relatou Iranilson.

Sem energia, os desafios para a criação do pequeno José ficam ainda maiores. Vitória conta que o menino sofre com as tardes quentes e à noite os insetos impedem o sono dele.

"A gente não tem muito e nem quer muito. Só queremos criar nosso filho e viver que nem gente! Ter uma vida digna", lamentou Vitória.

Sem esperança

Dona Maria Mercedes, 67 anos, é mãe de Aldernir. Nunca saiu da comunidade e também nunca viu o brilho de uma lâmpada em sua casa.

Ela, que tem problema de visão e com o escuro fazendo parte do seu dia a dia, diz que as promessas para a chegada da energia são constantes, mas que não tem mais esperanças.

"Eu acho que a energia possa chegar, mas não no meu tempo. Eu estou velha...vou morrer e não vejo essa luz. Estou mal vendo direito e, quando chegar, se eu tiver viva, eu não vejo mais" disse a moradora.

Maior parque eólico da América do Sul

Todas essas famílias vivem próximas ao parque eólico Lagoa dos Ventos, considerado o maior complexo eólico em operação na América do Sul. Ele fica localizado nos municípios de Lagoa do Barro, Queimada Nova e Dom Inocêncio, a menos de 50 km de São Francisco de Assis do Piauí.

De acordo com a Enel Green Power, empresa responsável pelo complexo, o parque conta com 230 turbinas eólicas em funcionamento. Por ano, elas são capazes de gerar mais de 3,3 TWh de energia, o equivalente ao consumo de 1,6 milhão de casas.

Mais de Piauí