O longo histórico de Matteo Messina Denaro como assassino consolidou sua reputação entre os pares como um dos grandes chefes da máfia siciliana. Segundo mafiosos que viraram a casaca, o "chefão" da Cosa Nostra se gabava de ter cometido assassinatos suficientes para encher um cemitério
Depois de 30 anos evitando ser capturado enquanto comandava boa parte dos negócios da máfia, ele foi preso na segunda-feira (16) em uma clínica de Palermo, onde estava recebendo quimioterapia. Embora tenha sido levado no começo de terça-feira (17) para uma prisão de segurança máxima na Itália continental, sua captura não deve trazer o fim da Cosa Nostra, graças às raízes e regras mais do que centenárias da associação.
“Não temos como saber em detalhes o que vai acontecer. Mas temos certeza de uma coisa. A Cosa Nostra é feita de regras. Ela vem se apoiando nessas regras há 150 anos, então certamente irá colocá-las em prática para reparar o dano, e assim criar uma nova estrutura de liderança necessária após a prisão”, disse a procuradora-geral de Palermo, Lia Sava, em uma entrevista à rádio estatal Rai sobre o futuro da máfia.
Embora Messina Denaro exercesse grande influência na máfia, há décadas falta um chefão na Cosa Nostra, segundo os investigadores. A figura praticamente mítica de um “capo di capi” (“chefe dos chefes”, em italiano) acabou em 1993, com a prisão, em um esconderijo em Palermo, de Salvatore “Toto” Riina, que fora o principal fugitivo italiano por 23 anos.
De acordo com um depoimento em juízo que levou à sua condenação por vários assassinatos, incluindo os atentados à bomba em 1992 que mataram os dois principais magistrados italianos antimáfia, Riina liderava uma “comissão” da Cosa Nostra que controlava negócios ilícitos e elaborava uma estratégia de retaliação letal contra o Estado pela repressão à máfia.
“Depois de Riina, nunca mais houve um chefe absoluto”, disse Francesco Lo Voi, procurador-chefe de Roma.
Lo Voi assumiu o cargo em 2022 após atuar como procurador-chefe em Palermo, ajudando a coordenar a perseguição a Messina Denaro.
Mesmo que ainda existisse a figura do “capo di capi”, Messina Denaro não se enquadraria, porque ele vinha de Castelvetrano, no limite oeste da Sicília, não de Palermo ou arredores, explicou o procurador-chefe, mencionando as regras da Cosa Nostra.
Ainda assim, Messina Denaro, filho de um chefão do crime, “era um dos chefes mais importantes e tinha vínculos com outras organizações criminosas na Itália e no exterior”, contou Lo Voi à Associated Press.
O prestígio do capo também foi impulsionado por seu histórico feroz como chefe do clã assassino que dominava uma grande faixa da região oeste da Sicília.
”É por isso que sua prisão certamente representa um terremoto para a Cosa Nostra neste momento”, disse Lo Voi.
Tráfico de drogas
Na terça-feira, um avião militar transportou Messina Denaro para uma prisão de segurança máxima em L’Aquila, nas montanhas centrais dos Apeninos, onde regras rígidas para os chefões do crime que não cooperam com as autoridades incluem grandes restrições aos privilégios de visita.
No entanto, o procurador nacional antimáfia, Giovanni Melillo, disse que colocar Messina Denaro atrás das grades não mudará a estratégia que a Cosa Nostra vem seguindo há mais de uma década.
Essa estratégia “não é mais de violência” contra o Estado, disse Melillo na TV estatal segunda-feira à noite, em referência aos atentados de 1992, que mataram Giovanni Falcone e Paolo Borselinno, procuradores de Palermo, e aos ataques à bomba de 1993 contra as igrejas de Roma, as Galerias Uffizi em Florença, e uma galeria de arte em Milão, parte de uma tentativa da máfia de fazer o Estado reduzir sua repressão à Cosa Nostra.
Em vez disso, a Cosa Nostra está agindo na surdina, tentando “infiltrar ao mesmo tempo o tecido social e econômico” da Itália, pontuou Melillo.
Uma pequena legião de vira-casacas ajudou as autoridades italianas a colocar dezenas de membros da Cosa Nostra atrás das grades nas últimas décadas. Como consequência, isso impulsionou o sindicato do crime ‘Ndrangheta, que domina parte do sul da Itália, permitindo que a organização ameaçasse a influência da máfia italiana, se tornando um dos maiores traficantes de cocaína do mundo.
Nos anos 1980, uma operação secreta do FBI em parceria com investigadores italianos, inclusive Falcone, desmanchou uma quadrilha de heroína e uma operação multimilionária de distribuição de cocaína que envolviam a máfia siciliana e a família criminosa Gambino, em Nova York.
Mas, nos últimos tempos, a Cosa Nostra “retornou em grande escala para o tráfico de drogas”, incluindo cocaína, drogas sintéticas ilícitas e heroína, segundo Lo Voi. Com tráfico de drogas suficiente para todos, não há uma verdadeira rivalidade entre a Cosa Nostra e a ’Ndrangheta.
"[Com o tráfico de drogas], os ganhos são enormes e a atividade é menos perigosa que a extorsão”, explicou Lo Voi.
Controle do território
O controle do território local é crucial para a existência da máfia. Por isso, pressionar o comércio local para pagar ao clã criminoso um valor mensal de proteção, conhecido como “pizzo”, é há muito tempo um dos pilares das atividades da Cosa Nostra.
Cerca de 15 anos atrás, porém, grupos comunitários de jovens de Palermo se rebelaram contra a submissão de longa data dos mais velhos à prática. Eles formaram uma organização chamada “Addiopizzo”, ou “Adeus Pizzo”, e encorajaram os comerciantes a denunciar os extorsionários às autoridades em vez de pagar a eles.
Lo Voi disse que, mesmo assim, os criminosos ainda têm formas de cultivar relações com a comunidade. Por exemplo, durante a pandemia da Covid-19, os mafiosos dos bairros forneciam mantimentos aos moradores quando os chefes de família perdiam os empregos.
É justamente esta complexa relação – que combina benefícios, medo e até cumplicidade – que parece ter ajudado Messina Denaro a escapar da lei por 30 anos, a maior parte desse período na Sicília.
Desde a captura do capo italiano, a polícia vem fazendo buscas em seu mais recente esconderijo: uma casa em um beco sem saída em Campobello di Mazara, perto de Trapani. O proprietário é Andrea Bonafede — nome usado pelo fugitivo em uma carteira de identidade para receber o tratamento contra o câncer.
O verdadeiro Bonafede está sendo alvo de uma investigação, que inclui pelo menos um dos médicos que esteve envolvido no tratamento do fugitivo na clínica desde o final de 2020, segundo a imprensa italiana.
Outros pacientes com câncer contaram ao jornal "La Repubblica" que o homem, que usava cachecóis de grife e camisetas pintadas à mão, conversava livremente com eles enquanto recebia quimioterapia, e às vezes lhes dava garrafas de azeite. (Seis anos atrás, as autoridades italianas confiscaram 13 milhões de euros em olivais e instalações de envase de azeite ligadas a Messina Denaro na região rural próxima a Trapani.)
Gritos de “Bravi!” ressoaram pela rua em frente à clínica quando os dois oficiais da polícia o escoltaram para fora. Mas outros questionaram por que sua captura demorou décadas.
“Eu esperava há muito tempo que isso fosse acontecer, mas é absurdo que tenha levado 30 anos”, disse Salvatore Borsellino, irmão do procurador morto, em uma entrevista por vídeo à AP, em Palermo.
Para ele, está claro que Messina Denaro recebia proteção em âmbito loca. “Mas também deve ter havido cumplicidade institucional”, afirmou.
Fonte: G1.com
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