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Cinco estados tiveram mais de 20 mil ações policiais durante pandemia

Dados estão em boletim da Rede de Observatórios da Segurança

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Em dois anos de pandemia de covid-19 – de julho de 2020 a junho de 2022 –, a Rede de Observatórios da Segurança registrou 20.243 ações policiais em cinco dos sete estados em que atua (Bahia, Ceará, Pernambuco, Rio de Janeiro e São Paulo), com um total de 1.989 mortes. O número representou quase metade dos cerca de 50 mil eventos monitorados pelos observatórios estaduais no período. Desse total, 12.693 foram ações de patrulhamento, 6.671 operações policiais e 879 ações de combate ao novo coronavírus. Os dados constam do boletim Raio X das Ações de Policiamento, divulgado hoje (18) pela rede.

De acordo com o boletim, no trimestre de abril, maio e junho deste ano, as ações policiais somaram, respectivamente, 681, 962 e 934, alta de 18% em relação às 584, 736 e 849 observadas no mesmo período de 2021. O mês em que ocorreu o maior crescimento das ações policiais foi maio de 2022 (30%), em comparação com o mesmo período do ano anterior. Os dados mostraram que governadores candidatos à reeleição tendem a “mostrar serviço”, à medida em que se aproxima a votação.

Dos cinco estados relacionados, o único que apresentou aumento do número de ações policiais, na comparação do primeiro período da pandemia (julho de 2020 a junho de 2021) com o segundo (julho de 2021 a junho de 2022), foi o Rio de Janeiro (5,96%). Esse aumento das ações de policiamento está ligado “possivelmente” à proximidade das eleições, disse à Agência Brasil a pesquisadora da rede Bruna Sotero. “Nos últimos meses, em todos os estados, houve aumento no número dessas ações, o que evidencia possível relação com o período eleitoral, principalmente com o objetivo de ocupar as manchetes dos jornais”. Bruna explicou que no território fluminense, o crescimento das ações policiais vem sendo observado desde o ano passado, enquanto, nos demais estados tem ocorrido principalmente nos últimos meses.

Chacinas
A pesquisadora observou também que o Rio de Janeiro foi o único estado em que o Supremo Tribunal Federal (STF) determinou, em maio de 2020, a restrição das operações policiais em comunidades, enquanto vigorasse a emergência sanitária. Apesar de ainda estar em vigor, a rede constatou que a ADPF 635 foi desafiada pelas polícias e autoridades governamentais fluminenses, resultando nas maiores chacinas registradas em operações policiais, em maio de 2021 e maio de 2022, nas favelas do Jacarezinho e da Vila Cruzeiro, respectivamente. “A gente vê que é uma política institucionalizada”. De um ano pesquisado para o outro, as ações de policiamento no estado do Rio subiram de 2.854 para 3.024.

O Ceará, que teve duas chacinas nos últimos 12 meses, representando o dobro do período anterior, preocupa a Rede de Observatórios da Segurança porque não apresenta a mesma dinâmica do Rio, com ações decorrentes de operações policiais em que são mortas mais de três pessoas. ”Mas precisamos estar atentos ao que está ocorrendo, buscar o por quê desse aumento”, disse a pesquisadora.

As 1.989 mortes contabilizadas pela rede, no período de dois anos, significam que a cada dez horas uma pessoa morreu em ação de policiamento. De acordo com o boletim, o estado mais letal, considerando a proporção média de mortes por ação monitorada, foi a Bahia, onde 16% das operações resultaram em mortes. No Rio de Janeiro, 10,4% dos registros geraram mortes e, em São Paulo, 11,8%.

Para a Rede de Observatórios de Segurança, o Rio de Janeiro e a Bahia “são exemplos de corporações com cultura de tolerância com a brutalidade, corrupção e valorização da violência policial”. No mesmo período, 47 agentes morreram em ação, o que pode sinalizar que as mortes, durante as operações, seriam uma retaliação à população e um padrão nacional de polícias que usam a força de forma abusiva. A pesquisadora destacou que durante a pandemia, as pessoas pobres, pretas e faveladas desses territórios ficaram reféns da violência e sofreram duas vezes. “Além de se protegerem do vírus, tinham que fugir dos tiros”.

Drogas e armas
Bruna Sotero afirmou que, embora grande parte das ações tenha como motivação o combate ao tráfico de drogas, as apreensões de entorpecentes não são rotina. Na média dos dois anos monitorados, menos de 26% das ações policiais resultaram em apreensão de drogas. O Ceará foi o estado que registrou menor número de apreensões (7%) no último ano. “Não tem surtido efeito positivo para a população”, disse Sotero. O combate ao tráfico de drogas é considerado uma politica ineficaz.

O mesmo ocorre em relação à apreensão de armas que, segundo Bruna, é indicativo para aumento da letalidade e da insegurança. A política de ampliação do acesso da população às armas no Brasil foi criticada pela pesquisadora. “Eles [as autoridades] continuam investindo em uma política totalmente ineficaz [de combate às drogas] e, em contrapartida, ao invés de apostar no controle do armamento e na apreensão de armas ilegais, aumentam a chance de as pessoas andarem cada vez mais armadas e de maior circulação de armas”.

O boletim indica que 76% das mortes violentas no país são causadas por armas de fogo, com apreensões em somente 15% das operações. São Paulo é o estado com o menor registro proporcional, de 13% e 12%, nos dois anos analisados. No período pesquisado, foram apreendidas 540 armas, sem mortes. Bruna argumentou que a facilidade de acesso às armas no país “aumenta a possibilidade de conflitos interpessoais”. A arma passa a ser vista como meio para a resolução de conflitos, acrescentou.

O boletim destaca que ações de policiamento não são monitoradas pelos governos. Afirma que, com raras exceções, como se vê recentemente em São Paulo, agentes de polícia realizam nas ruas as ações que acham importantes, sem qualquer supervisão e sem avaliação de sua efetividade.

Forças
Entre as forças policiais envolvidas nas ações de julho de 2020 a junho de 2022, a Polícia Militar respondeu pela maior presença no policiamento diário, com 56,15% do total de operações, seguida pela Polícia Civil (33,52%), Guarda Municipal (6,72%), Polícia Rodoviária Federal (6,01%) e Polícia Federal (4,36%).

O boletim chama a atenção para o aumento da participação da Polícia Federal nas operações e patrulhamentos no Rio de Janeiro (15%), em São Paulo (25%) e no Ceará (28%), com significativo crescimento da participação da Guarda Municipal em Pernambuco (60%). Também houve ampliação das ações da Polícia Rodoviária Federal no Rio (36%), com expressiva participação em ações violentas e de alta letalidade, como a Chacina no Complexo da Penha.

Patrimônio
O levantamento ressalta que as operações motivadas por crimes contra o patrimônio, relacionadas principalmente a furtos e roubos de automóveis, residências e a roubos de rua, foram as que tiveram maior crescimento entre os dois períodos (159%). Isso seria explicado pela flexibilização de políticas de controle da pandemia e o aumento da circulação de pessoas nas ruas. O maior registro nesse tipo de motivação ocorreu em São Paulo (614%), seguido do Rio de Janeiro com 240%.

Integração
A avaliação da rede é que segurança pública é vista como soma de operações policiais, mortes e apreensão de drogas quando, na verdade, deveria ter um sentido mais amplo. Para Bruna Sotero, a política de segurança pública não pode entrar só com a polícia, mas deve ser uma ação integrada. “Não se pode entrar nesses territórios só com a polícia, mas com educação, saúde, saneamento básico, para que as pessoas possam ter uma vida melhor”. Ela espera que a partir dos dados revelados no boletim, seja feita uma análise dos pontos negativos da segurança pública e se comece a pensar em política integrada para o setor.

Posicionamentos
A Secretaria da Segurança Pública da Bahia informou que os dados apresentados na pesquisa da Rede de Observatórios da Segurança estão em total desacordo com a produtividade das ações policiais no período analisado, com números “absurdamente subnotificados”. Só de drogas apreendidas entre os anos de 2020, 2021 e o primeiro semestre de 2022, foram cerca de 100 toneladas provenientes de operações das polícias Militar e Civil, além de ações realizadas conjuntamente com as polícias Federal e Rodoviária, incluindo a erradicação de plantações de maconha. No mesmo período, 98 fuzis foram retirados das mãos de criminosos na Bahia.

O levantamento também apresenta dados relativos ao número de pessoas presas em operações policiais. “Apenas uma operação da Polícia Civil, a Uno Corpus, foi responsável pela prisão de 516 pessoas, o que demonstra total descompromisso da pesquisa com a realidade”.

A Secretaria estadual de Polícia Militar do Rio respondeu, por meio da assessoria de imprensa, que as ações da corporação “são precedidas e direcionadas a partir de informações do setor de inteligência e de órgãos oficiais, como o Instituto de Segurança Pública (ISP), sendo executadas com base em protocolos técnicos definidos pelas legislações e determinações judiciais vigentes”.

Acrescentou que somente neste ano de 2022, foram presos mais de 19,8 mil criminosos, apreendidos mais de 2,3 mil adolescentes infratores e retiradas das ruas mais de 3,9 mil armas de fogo, sendo 221 fuzis.

Outro lado
A Coordenação-Geral de Comunicação Institucional da Polícia Rodoviária Federal (PRF) informou que “não faz análise de dados que não sejam produzidos pela própria instituição”.

Em nota, a Secretaria de Segurança Pública de São Paulo, por sua vez, esclareceu que não comenta estudos dos quais desconhece a metodologia. Afirmou, por outro lado, que “as polícias Civil e Militar trabalham incessantemente no combate à criminalidade. Ao longo dos últimos 42 meses, 666.338 criminosos foram presos e encaminhados à Justiça. Isso significa, em média, 15,8 mil marginais presos mensalmente, incluindo integrantes de facções criminosas, que são submetidos ao regime disciplinar diferenciado (RDD) e isolados. Atualmente, 57 integrantes de facções presos no estado foram transferidos e estão em presídios federais com o aval do Executivo paulista”.

A SSP relatou que, no mesmo período, 872,8 toneladas de drogas foram apreendidas, o que representa mais de 20 toneladas de entorpecentes retirados das ruas todos os meses. Na nota, a Secretaria de Segurança Pública de São Paulo revela que, atualmente, o estado tem a menor taxa de homicídios do Brasil, com 6 casos por grupo de 100 mil habitantes, enquanto a taxa nacional é de 18/100 mil. “Não só os homicídios, mas todos os crimes contra a vida e contra o patrimônio tiveram redução expressiva e sustentada ao longo dos últimos 20 anos, em São Paulo. Tais reduções não são baseadas apenas nos indicadores da Secretaria da Segurança Pública, mas ratificadas também por institutos de pesquisa independentes e pelo próprio Ministério da Justiça”.

De acordo com a SSP, nos últimos dois anos, mais de R$ 1,2 bilhão em ativos ligados às facções foram recuperados pelas forças de segurança estaduais. Aeronaves, por exemplo, que antes eram utilizadas por esses criminosos, hoje integram as frotas das forças policiais no combate ao crime organizado. A mais recente delas é um avião Cessna Caravan, que foi incorporado pela Polícia Civil. Esses resultados são fruto de forte política de segurança pública e do trabalho de policiais civis, militares e técnico-científicos. “Por esta razão, a SSP investe continuamente na capacitação de todos os integrantes das forças de segurança, assim como em tecnologia e equipamentos para combater a criminalidade e proteger o cidadão”. Mais de R$ 1,5 bilhão já foram investidos pela atual gestão na modernização da estrutura policial em todo o Estado, com a aquisição de novas viaturas, inclusive blindadas, armas e tecnologia de última geração, coletes balísticos e a expansão de unidades especiais como os Batalhões de Ações Especiais de Polícia (Baep) e as Divisões Especializadas de Investigação Criminal (DEIC).

Visando valorizar o trabalho policial, a SSP informou que todas as carreiras policiais tiveram um reajuste acumulado de 26% e um incremento na política de bonificação, que passou a ser bimestral. Desde o início da atual gestão, 14,4 mil policiais foram contratados e estão atuando em todo o Estado. Outros 1,3 mil estão nas academias das polícias, passando por curso de formação. Além disso, já foram autorizadas 8,5 mil novas vagas para as forças de segurança do Estado, sendo que quatro concursos estão em andamento para seleção de delegados, investigadores, escrivães e médicos legistas. Ainda segundo a Secretaria, as políticas públicas adotadas permitiram que, nos primeiros seis meses deste ano, as ocorrências de mortes decorrentes de intervenção policial apresentassem redução de 63,7% na comparação com o mesmo período do ano passado.

A Polícia Federal, por sua vez, comunicou que não comenta declarações ou divulgações de outras instituições.

Em nota encaminhada à Agência Brasil, a Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social do Estado do Ceará (SSPDS/CE) avaliou que os dados divulgados pela Rede Observatório da Segurança “são inconsistentes e não condizem com a real produtividade das Forças de Segurança do Ceará”. A pasta informou que, no período de 2020 até junho de 2022, um total de 16.015 armas de fogo foi retirado de circulação. Já sobre drogas, em igual período, foram 17,8 toneladas apreendidas. “Em 2021, por exemplo, as Polícias cearenses fecharam o ano com um balanço histórico nas apreensões de cocaína. Foram 2,3 toneladas retiradas das mãos de criminosos”.

O combate ao crime no Ceará é permanente, destacou a SSPDS. “As intensificações das ações acompanham os dados estatísticos diários em todo o território cearense e não baseando-se em um único contexto”. Como efeito disso, ocorreu redução em 18% dos Crimes Violentos Letais e Intencionais (CVLIs) em 2021, quando ocorreram 3.299, em comparação ao ano anterior (4.039). “De janeiro a julho deste ano, a redução foi de 6,7%, indo de 1.862 para 1.738. O trabalho ocorre com o intuito de manter essa redução em comparação a um ano que já havia fechado seus doze meses com retração no referido índice. O mesmo ocorre com os Crimes Violentos Contra o Patrimônio (CVPs), quando o Ceará fechou o ano de 2021 com redução de 10,8%, diminuindo de 53.956 casos para 48.141. Mantendo a tendência de queda, o estado apresentou retração de 5,9% nos casos de roubos, indo de 28.441 para 26.776 no período de janeiro a julho”.

Em relação a mortes em ações policiais, a SSPDS-CE informou que os profissionais da segurança pública participam de disciplinas e formações para atendimentos humanizados e intervenções técnicas, “propiciando a formação de profissionais preocupados com as questões sociais e a resolução de conflitos”. Um exemplo foi o "Curso de Intervenções Não Letais", concluído em julho deste ano por policiais militares lotados no Comando de Policiamento de Choque (CPChoque).  

A SPDS-CE salientou, ainda, que trata todas as mortes decorrentes de intervenção policial com seriedade e transparência. As ocorrências são apuradas com instauração de inquérito policial pela Polícia Civil do Estado do Ceará (PCCE) e submetidas à apreciação do Ministério Público do Estado do Ceará (MPCE). 

Até o fechamento da matéria, não foi recebida resposta da Secretaria de Segurança Pública do Pernambuco.

Fonte:AgênciaBrasil

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